Desastres Esquecidos: a Expedição Andrée

A expedição parte de Estocolmo em 1896. [ilustração do jornal sueco Aftonbladet]

Como tudo na vida, otimismo e fé na ciência demais podem ser um perigo. Em 1897, o engenheiro e pioneiro do balonismo sueco Salomon Auguste Andrée havia importado um balão de hidrogênio de Paris. Funcionário do Escritório de Patentes sueco e cientista amador, S. A. Andrée estava tão confiante em relação ao seu balão novo que decidiu chamar uns amigos para tentar alcançar o Pólo Norte por via aérea. Mas o explorador sueco estava com tanta pressa que não quis testar o balão quando ele chegou.

O plano de chegar ao pólo setentrional recebeu amplo apoio popular e midiático na Suécia — o rei Oscar II (1829-1907) e Alfred Nobel (1833-1896) contribuíram financeiramente para a expedição. Ainda politicamente dependente da Noruega, a Suécia começava uma onda de fervor nacionalista que culminaria com a separação dos dois países em 1906. Em julho de 1896, acompanhado de Knut Fraenkel e Nils Strindberg, Andrée tentou levantar voo a bordo do Ömen (Águia), partindo de Svalbard. Ventos desfavoráveis abortaram essa primeira tentativa. Em julho de 1897, na mesma aeronave, o trio partiu com sucesso, rumando para norte e… desaparecendo.

S. A. Andrée (1854-1897)
Na decolagem, o Ömen perdeu um par de cordas que, arrastadas no gelo, deveriam servir como um misto de leme e freio aerodinâmico. Dez horas após o lançamento, o balão entrou numa tempestade de neve e chuva. Houve formação de gelo no balão e sua estrutura foi danificada em meio a fortes ventanias.

Durante a viagem, o balão começou a perder hidrogênio rapidamente. Como isso era esperado, a equipe sueca tentou um pouso mais ou menos controlado numa plataforma de gelo. Eles caíram apenas 65 horas (e 475km) depois de partir. Ninguém se feriu, mas eles passaram três congelantes meses tentando voltar para casa. “O moral mantém-se bom”, escreveu Andrée no início de seu diário, “Com camaradas como esses, alguém seria capaz de passar por praticamente quaisquer circunstâncias, sejam quais forem.”


Örnen, logo após o pouso forçado. [fotografia de Nils Strindberg]

Mas as coisas não foram tão bem assim. Como esperavam uma viagem breve em pleno verão, eles se viram extremamente mal-equipados em meio ao frio glacial. Ainda que tivessem um trenó e um bote, faltava-lhes roupas e equipamentos adequados para caminhar sobre o gelo. Quando a comida começou a rarear, o trio passou a caçar ursos polares para se alimentar. Em outubro, quando o inverno se aproximava, o grupo se apressou e finalmente alcançou um lugar seguro. Era Kvitøya (Ilha Branca), uma ilha deserta de Svalbard, o mesmo arquipélago de onde partiram. É possível que tenham esperado por um resgate ali, mas o resgate não veio.

K. Fraenkel (esq.) e N. Strindberg (dir.), com um urso abatido.

Na Suécia e no resto da Europa, o desaparecimento foi sentido, mas não foi visto com surpresa por outros exploradores polares e balonistas experientes. Andrée tinha pouca experiência de voo e nunca havia voado em condições polares. Ao longo dos anos, a expedição Andrée foi sendo coberta com camadas sucessivas de mistério, mito e esquecimento.

Nils Strindberg (1872-1897)
Foi somente em 1930, durante uma expedição polar norueguesa, que o último acampamento do intrépido trio foi descoberto. Ainda hoje não há consenso sobre a causa da morte de Andrée, Fraenkel e Strindberg. Sabe-se que esse último foi o primeiro a falecer, poucos dias depois de chegarem a Kvitøya. Fotógrafo da equipe e primo em segundo grau do dramaturgo August Strindberg (1849-1912), Nils pode ter morrido afogado enquanto caçava outro urso polar ou pode ter se matado com morfina. Seu corpo foi encontrado toscamente enterrado debaixo de algumas pedras. Os corpos de Andrée e Fraenkel foram encontrados dentro de uma barraca. Uma das hipóteses é que os dois tenham morrido asfixiados pelo gás carbônico de um pequeno aquecedor com defeito.
Knut Fraenkel (1870-1897)

Há ainda uma outra hipótese, que atribui as três mortes a uma causa comum. Os três exploradores teriam sido infectados por parasitas (Trichinella spiralis) presentes na carne de algum urso polar abatido. Os diários e anotações encontrados em 1930 estão cheios de referências a problemas gastrointestinais, o que se coaduna com a teoria de morte por triquinelose. No entanto, não dá pra fazer uma autópsia: depois de descobertos e repatriados, os corpos de Andrée, Fraenkel e Strindberg foram cremados.

Fonte: Hypercubic

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